Deus pode ser conhecido mediante a razão natural. Todavia, os filósofos se detiveram em noção fria e temerosa de Deus. Escrevia Aristóteles († 322a.C.): “Seria um absurdo querer alguém amar a Deus”.
Deus, porém, se revelou aos homens na mensagem bíblica, dando-lhes a conhecer que Deus é pessoal e não força neutra: é Pai, é Amor, é tão rico que se afirma três vezes (como Pai, Filho e Espírito Santo).
O Antigo Testamento
No Antigo Testamento, a necessidade de incutir a unicidade de Deus impedia a revelação da trindade de pessoas em Deus. Os israelitas tendiam mesmo a afastar cada vez mais Deus dos homens, substituindo o nome de Deus (JHVH – Javé) por locuções como Ele, o Altíssimo, o Eterno, o Nome…
Ao mesmo tempo, os autores do Antigo Testamento concebiam como se fossem pessoas certos conceitos ou atributos de Deus, como a Sabedoria, a Palavra e o Espírito de Deus.
A Sabedoria
A Sabedoria é um atributo de Deus e do homem. Todavia, nos livros sapienciais, ela foi sendo concebida como pessoa.
A Sabedoria sai da boca do Altíssimo, e, como a neblina, cobre a terra… reina sobre todos os povos e nações.
Eclesiástico 24, 5-6
No Novo Testamento, porém, a Sabedoria é identificada com a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Jesus Cristo:
Cristo é força de Deus e sabedoria de Deus.
1Coríntios 1, 24
A Palavra
A palavra, para os semitas, tinha mais importância do que para nós. Atribuíam-lhe eficácia própria, que durava para além do momento em que era proferida. Essa eficácia é explicada por ela ter sido concebida como pessoa ao lado do próprio Deus, como figura literária.
Contudo, no Novo Testamento, essa concepção judaica é desenvolvida, apresentando a segunda Pessoa da Santíssima Trindade como a Palavra (Logos, em Grego; Verbum, em Latim), como vemos no início do Evangelho segundo São João: “No princípio era o Verbo (Logos), e o Verbo (Logos) estava junto de Deus e o Verbo (Logos) era Deus.
E o Verbo (Logos) se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 1.14).
O Espírito de Deus
Em hebraico, o termo ruach (spiritus, em Latim) significa vento, brisa silenciosa, tempestade, e está associado a ideia de vida. Todas as intervenções de Deus em favor do seu povo são atribuídas ao ruach (força vivificante) de Deus. E o Messias prometido pelos profetas seria portador de ruach (Is 11, 1-5). E essa força seria dada a todos os homens (Is 32, 15-20) e produziria novas criaturas (Ez 11, 19).
Havia ainda a tendência a personificar o Espírito entre os judeus, porém sem ultrapassar os termos de uma figura poética. O Novo Testamento, mais uma vez, desenvolveu o pensamento judaico, apresentando o Espírito como a terceira Pessoa da Santíssima Trindade (Jo 14, 25-26).
O Novo Testamento
Jesus explicou as noções judaicas, falando abertamente do Pai e do Espírito Santo, que com o Filho constituem um só Deus em três Pessoas. O texto do Evangelho segundo São Mateus traz a Santíssima Trindade em uma fórmula bem marcante:
Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Mateus 28, 19
Ainda nos Evangelhos, no texto sobre o Batismo de Jesus, o Pai se fez ouvir apontando o Filho e o Espírito Santo se manifesta em forma de pomba:
Depois que Jesus foi batizado, saiu logo da água. Eis que os céus se abriram e viu descer sobre ele, em forma de pomba, o Espírito de Deus. E do céu baixou uma voz: “Eis meu Filho muito amado em quem ponho minha afeição.
Mateus 3, 16-17
Na Epístola aos Hebreus, temos o autor sagrado enunciando:
A palavra anunciada por intermédio dos anjos era a tal ponto válida, que toda transgressão ou desobediência recebeu o justo castigo. Como, então, escaparemos nós se agora desprezarmos a mensagem da salvação, tão sublime, anunciada primeiramente pelo Senhor e depois confirmada pelos que a ouviram, comprovando-a o próprio Deus por sinais, prodígios, milagres e pelos dons do Espírito Santo, repartidos segundo a sua vontade?
Hebreus 2, 2-4
Pai, Filho e Espírito Santo
Deus (Pai) é o princípio de toda a salvação; o Filho é a Palavra, que na terra anuncia essa Boa-Nova do Pai; o Espírito Santo é aquele que em nossos corações explana e interpreta a mensagem.
A doutrina do Novo Testamento atualiza e explica a do Antigo Testamento. Tem aspecto vivencial, procurando enfatizar o significado salvífico das verdades da fé.
Contudo, desde o século II, os cristãos se viam diante de séria interrogação: como conciliar a unidade de Deus com a trindade de Pessoas? Ou há três deuses ou as Pessoas Divinas não passam de aspectos ou facetas do único Deus.
O Debate Teológico
As primeiras tentativas de conciliar unidade e trindade em Deus foram falhas, pois tendiam a subordinar o Filho ao Pai (monarquianismo – defendiam a monarquia divina).
Um século mais tarde, Ario reapresentou essa tese, agora como o subordinacionismo, afirmando ser o Filho a primeira e mais excelente criatura do Pai. O Concílio de Niceia (325), para combater essas heresias, redigiu uma profissão de fé que afirmava:
Cremos… em um só Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, nascido do Pai como Unigênito, isto é, da substância do Pai, Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial com o Pai, por quem foi feito tudo o que há no céu e na terra.
O texto acentua a identidade de substância do Pai e do Filho para afirmar que o Filho não foi criado (tirado do nada), mas gerado (quem gera se prolonga no filho gerado). Contudo, essa disputa não se encerrou em 325, pois ainda restava a das relações do Espírito Santo com o Pai e o Filho.
O Espirito Santo
Algumas décadas depois, em 381, reuniu-se novo Concílio, agora em Constantinopla, e se acrescentou à profissão nicena de fé os dados referentes ao Espírito Santo:
Cremos no Espírito Santo, Senhor e fonte de vida, que procede do Pai, com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, o qual falou pelos profetas.
Afirmando que o Espírito Santo é adorado com o Pai e o Filho, o Concílio afirma a identidade de substância do Espírito Santo com o Pai e o Filho, sem nenhum tipo de subordinação.
Porém, só foi possível para os teólogos formularem o dogma após recorrerem à distinção entre ousia (essência, natureza) e hypóstasis (pessoa). Aquela é única (a Divindade); as pessoas, porém, são três, sem esfacelar nem retalhar a natureza divina, como três são os ângulos de um triângulo sem esfacelar a superfície do triângulo.