Santa Tereza d’Ávila foi uma monja carmelita mística do século XVI que se tornou uma santa católica, inegavelmente após uma vida de atribulações e luta em busca da melhor forma de alcançar a santidade.
Esse texto tem como objetivo apresentar a vida de Santa Tereza d’Ávila, dentro da História da Igreja Católica, assim como os reflexos da vida e da atuação de Santa Tereza d’Ávila na história da Igreja, e o legado deixado para a humanidade até os dias de hoje.
A vida de Santa Teresa d’Ávila
Santa Tereza d’Ávila é também conhecida como Santa Tereza de Jesus. Filha do segundo casamento do pai, teve 12 irmãos do sexo masculino, sendo alguns do primeiro casamento do pai.
Nasceu em Ávila, na Espanha, a mais ou menos cem quilômetros de Madri, no dia 28/03/1515, onde viveu até seus últimos dias, e faleceu em 04/08/1582. Viveu primordialmente em um período marcado por grandes batalhas. Essa marca pode ser vista certamente na arquitetura da cidade e percebida nas entrelinhas dos livros que Santa Tereza d’Ávila escreveu.
Ávila foi construída no Séc. XII, tem extensão de dois quilômetros e meio e é cercada por altas muralhas com 88 torres dispostas ao longo destas. Na Espanha do Séc. XVI, todos eram católicos em maior ou menor grau. Todos davam opiniões e apresentavam saberes sobre religião e o tema estava presente em todos os encontros sociais da época.
O pai de Santa Tereza d’Ávila era comerciante considerado da classe média alta. A época era a das grandes descobertas e, neste contexto, os irmãos de Santa Tereza d’Ávila foram participar dos grandes descobrimentos no Peru e México. Mas Santa Tereza continuou vivendo em Ávila. Portanto foi uma época de grandes dificuldades que podem ser constatadas nos seus escritos como o livro da vida.
A Infância
A infância de Santa Tereza d’Ávila foi relativamente comum como a de qualquer criança da época. Era uma criança extrovertida que conversava com todos e os adultos paravam para falar com ela, que atraia as atenções de todos.
Aos sete anos, sua brincadeira preferida era fundar mosteiros, o que ela chamava de casa de monjas. Brincava com seu irmão mais novo de fundar mosteiros e fugiu de casa para fundar mosteiro juntamente com seu irmão. Foi encontrada por um tio no portão de saída da cidade e levado de volta para casa.
Seus pais eram católicos. Ela teve uma formação religiosa e sua mãe era devota de Nossa Senhora. Aos 13 anos ela ficou órfã de mãe e, a partir disto, começou a ficar mais vaidosa, passou a consumir literaturas como revistas da época, deixando de lado as leituras religiosas. Nesse período ela se envolveu em namorico com um primo, o pai descobriu, não se agradou do que viu e decidiu colocá-la em um convento de irmãs agostinianas.
Re-conversão
Neste convento, ela encontrou uma monja que lhe falava da vida de Deus e, com isso, o sonho da infância que havia desaparecido na adolescência retornou. Ela começou a fazer orações vocais e voltou à devoção pelo santo terço que fazia com a sua mãe, para Nossa Senhora.
Santa Tereza d’Ávila então começou pensar na possibilidade da vida religiosa, pois se preocupava com a melhor forma de ir para o céu. Para atingir seu objetivo pensou em ser monja e decidiu por esse caminho. Porém o pai não aceitou a sua escolha e não permitiu.
Ela permaneceu dois anos fazendo a vontade do pai nos cuidados da família. Depois deste tempo, percebeu que o pai não iria dar-lhe a permissão para se tornar monja, fugiu de casa aos 20 anos e entrou no Carmelo da Encarnação. Lá continuou sendo a mocinha extrovertida com quem todos gostavam de conversar.
De imagem e comportamento de santa ela não tinha muita coisa se comparado a São João da Cruz que, aos 16 anos, bastava olhar para dizer que o menino tinha jeito de santo.
O Carmelo da Encarnação
Em 1535, Santa Tereza d’Ávila entrou para o Carmelo da Encarnação e viveu neste mosteiro durante 30 anos. A primeira vez como monja e, posteriormente em 1571, como madre superiora. Segundo a própria no Livro da Vida, ela viveu de 1535 a 1554 com um pé no mundo e outro no espiritual.
Naveguei nesse mar tempestuoso quase 20 anos caindo e levantando. Levantando-me mal, pois voltava a cair. Era tão pouca a minha perfeição que quase não me importava muito com os pecados veniais. E embora temendo os mortais, nem por isso me afastava dos perigos. Eu nem me alegrava em Deus e nem me alegrava no mundo.
Santa Tereza d’Ávila – Livro da Vida
Neste período, ela já tinha vida espiritual, oração de recolhimento, mas não tinha ainda a decisão em viver para Deus. Santa Tereza d’Ávila passou pela sua conversão e experiências místicas as quais a levaram a aprofundar e aperfeiçoar sua relação com Deus.
Disse que certo dia se sentiu atraída por Deus com muita força e foi diante de uma imagem de Jesus abraçar o matrimônio espiritual, ou seja, abraçar Jesus como seu esposo e passou a viver para ele. Após esse fato, ela sentiu um grande arrependimento que chamou de conversão. Ela se ajoelha, pede para que Deus não a deixe mais ofendê-lo e diz:
Daqui por diante é um novo livro, isto é, uma vida nova. A que levei até aqui, era minha, a que passei a viver depois que comecei a falar dessas coisas de oração é a que Deus vive em mim.
Santa Tereza d’Ávila – Livro da Vida (cap 23).
A partir deste momento, ela passa a viver completamente diferente. Já era uma monja, tinha vida espiritual e, passa a viver uma proximidade, uma intimidade e uma decidida união com o Cristo.
A partir de agora é Deus que vive em mim.
Surge desta conversão uma nova Tereza que vai viver experiências cada dia mais profundas buscando a perfeição na relação com Deus.
Vida Mística
A seguir ela passa a receber graças na busca da espiritualidade mais perfeita possível. Sofria de uma dependência afetiva que estava trazendo problemas para sua vida. Ela recorreu ao seu confessor, que a orientou para passar alguns dias pedindo ao Divino Espírito santo para iluminar a situação.
Ela o fez pedindo que o Divino espírito santo iluminasse a sua inteligência para que ela pudesse ver essas amizades a partir da luz de Deus. Depois de alguns dias escutou Deus falando: não quero mais que você fale com os homens, mas somente com os anjos. Anjos são definidos por ela como pessoas que falam de Deus.
A partir daí ela passou a não mais sentir prazer em falar com uma pessoa se não fosse por causa de Deus e assim ocorreu a graça, a libertação afetiva de somente falar com as pessoas ligadas a Deus. Santa Tereza d’Ávila tinha o habito de ler seus livros espirituais porque a ajudava aprender rezar. Em determinado período em Ávila, as pessoas foram proibidas de ler livros espirituais em espanhol.
Somente o livro em latim estava liberado e ela não sabia ler latim. Sentiu-se muito angustiada, mas em oração recebeu mensagem de Deus lhe dizendo que, a partir daquele momento, Ele seria o seu livro vivo. Daí por diante ela passou a ter visões da presença de Jesus.
Através destas visões, Jesus passou a ensiná-la as verdades da fé e o caminho da oração e ela passou então a sentir a presença de Deus constantemente. Em confissão, falou para o seu confessor sobre o que aconteceu e que estava vendo Jesus o tempo todo e sentindo-se na presença de Deus. Ela passou dois anos com essas visões de Jesus andando com ela o tempo todo.
A Transverberação
Continuou em aproximação cada vez mais profunda com Deus e começou a passou apresentar fenômenos sobrenaturais como: êxtases, levitações e transverberação. Apresentou vários êxtases em oração e levitava, pois o domínio do seu corpo ficava tomado por Deus. Na capela, levitava e precisava ser segurada por outras freiras para não subir muito alto e causar espanto as outras pessoas.
Viver esses fenômenos trouxe muito sofrimento para ela, pois as pessoas comentavam e questionavam sobre os fenômenos que assistiam. Outro fenômeno místico e raro vivido por Santa Tereza d’Ávila foi a transverberação.
Transverberação é um fenômeno onde a pessoa sofre uma lesão interna ou externa ao corpo decorrente de uma relação espiritual, em um determinado momento de conexão intensa com Deus.
Santa Tereza d’Ávila – Livro da Vida (cap. 29)
São Padre Pio apresentava igualmente o fenômeno na forma externa e em Santa Tereza d’Ávila a lesão foi interna, no coração. A transverberação de Santa Tereza esta representada em um quadro no qual se vê um anjo fincando uma lança com a ponta inflamada de fogo no seu coração.
Essas experiências vividas por Santa Tereza em determinado momento causaram uma divisão na população de Ávila. Algumas pessoas acreditavam que era um caso de santidade e outros, um caso de possessão demoníaca. Foi um período muito difícil, pois ela não podia andar em nenhum lugar da cidade sem que fosse perturbada.
Ávila era uma cidade pequena, todos a conheciam desde a infância e, alguns queriam tocá-la por acreditar que era uma santa e outros a agrediam com palavras por acreditar que ela era uma impostora, que estava tentando enganar a todos.
Conflitos Internos
Santa Tereza d’Ávila ficou confusa e após grande conflito de pensar que poderia ser possessão demoníaca, recorreu a confessores. Porém, os mesmos também se colocaram em duvida e passaram a acreditar que era possessão demoníaca.
Naquele momento histórico, a Inquisição estava acontecendo e o risco de ser condenada era muito grande. Em franco conflito, ela foi atendida por São Francisco de Borja. Este Santo tinha uma santidade reconhecida, respeitada e bem vista por todos porque tinha abandonado o titulo de conde juntamente com toda a sua riqueza por amor a Cristo e entrado para a congregação dos Jesuítas.
Ao final da confissão, São Francisco de Borja disse-lhe que os fenômenos por ela expressados eram, portanto, próprios do Divino Espírito Santo. Algo da ação de Deus que ele conhecia por experiência pessoal. Com a defesa de São Francisco de Borja a Santa Tereza d’Ávila frente aos seus confessores, as pessoas de Àvila passaram assim a sentir vergonha de atacá-la e ela teve um pouco de paz.
Contudo ainda pairavam dúvidas que só cessaram quando Santa Tereza d’Ávila se confessou com São Pedro de Alcântara, um Franciscano de pobreza extrema e mais rigoroso do que São Francisco de Borja nas suas penitências. Ele a atendeu em confissão e, quando terminou, disse-lhe que, depois das sagradas escrituras e os dogmas da Igreja, as visões de Santa Tereza eram claros sinais do espírito santo agindo sobre ela.
O encontro com São Pedro de Alcântara trouxe grande refrigério para a vida mental e espiritual de Santa Tereza d’Ávila. Neste período, após a partida de São Pedro de Alcântara e todos esses fatos, ela se motivou a dar inicio a construção das fundações, dizendo:
O Senhor quer obras, obras o Senhor quer.
Reformadora e Santa
A experiência de Santa Tereza d’Ávila no ambiente do Mosteiro da Encarnação motivou, então, mudanças com vistas a uma convivência mais perfeita das monjas umas com as outras e com Deus. O Carmelo da Encarnação foi construído na época em que Santa Tereza d’Ávila nasceu.
Santa Tereza d’Ávila aprendeu no convívio com as monjas mais relaxadas e na sua intimidade com Deus experimentou algo tão profundo e grandioso que desejou compartilhar com outras pessoas; e passou então a fazer reformas no Carmelo para modificar a vida das monjas dentro convento.
Mas não ficou só ali. Além de fazer a reforma administrativa, fez também construção de Carmelos femininos e masculinos. Em 1562, ela fundou o convento de São José e, em 1567, teve um encontro decisivo com São João da Cruz neste convento e o convidou para fazer parte da reforma carmelitana na fundação do ramo masculino dos Carmelos.
Ela sentiu necessidade de conventos com poucas monjas, a princípio 12. Para ela, o número reduzido propiciaria uma convivência mais próxima, e com isso um convívio mais profundo, onde ao conhecer a outra, a monja também conheceria melhor a si mesma. Um convento com poucas monjas de vida mais simples se poderia manter um ambiente mais silencioso e com isso maior intimidade com Deus.
Na experiência do período conflituoso, Santa Tereza d’Ávila passa um grande ensinamento para a vida de oração e define oração da seguinte forma:
Para mim oração mental não é se não tratar de amizade estando muitas vezes tratando a sós com quem sabemos que nos ama.
As 12 carmelitas percebiam os fenômenos sobrenaturais expressados pela madre superiora, no momento da oração, onde a entrega chegava ao nível da levitação e, pediram a ela para ensiná-las a rezar. Com a finalidade de auxiliá-las, ela escreveu alguns livros para direcioná-las no desenvolvimento espiritual.
As Obras Terezianas
O primeiro foi o Livro da Fundação, onde consta a forma de viver no Carmelo; depois escreveu o Caminho da Perfeição, que ensina rezar e, Castelo interior ou Moradas. As ações de Santa Tereza d’Ávila não só reformaram o Carmelo, mas toda a Igreja foi influenciada por esse grande processo da sua experiência no curso do encontro com Deus.
Dos escritos de Santa Tereza d’Ávila, certamente o mais conhecido e que é utilizado como um guia de desenvolvimento da espiritualidade até os dias de hoje é o livro Castelo Interior ou Moradas. Neste livro ela revela sua rica experiência no caminho da santidade e o seu encontro com Deus.
O livro descreve sete etapas que devem ser percorridas com o intuito de aprofundar a espiritualidade. Essa jornada começa na primeira morada e segue aprofundando a espiritualidade em direção à relação perfeita com Deus. A sétima e última morada é o ponto onde acontece o encontro da pessoa com Deus.
A relação é tão coesa que não há mais separação e a pessoa não vê sentido em mais nada da sua existência a não ser a relação intima com Deus. Entretanto, pouquíssimas pessoas conseguem chegar a essa encontro tão coeso com Deus.
No final da vida, Santa Tereza d’Ávila tinha fundado direta ou indiretamente trinta e dois mosteiros, sendo 17 femininos e 15 masculinos em toda a Espanha, além disso, recuperou o fervor de muitas carmelitas, juntamente com São João da Cruz e, os seus livros até hoje influenciam o caminho da oração da igreja católica, no mundo.
Morte e Canonização
No dia 20/9/1582, Santa Tereza d’Ávila chegou a Alva de Tormes, um município da Espanha na província de Salamanca, muito doente e, faleceu em 15/10/1582, aos 67 anos.
Após a sua morte, aconteceu então uma disputa das duas cidades para decidir em qual delas Santa Tereza d’Ávila seria sepultada. Foi sepultada na cidade e, após muitos anos, a exumação foi feita e os restos mortais foram para Ávila. Na exumação foi detectada uma cicatriz no seu coração e, após um extenso processo de investigação, foi confirmada dessa maneira como sendo a marca da experiência espiritual vivida por ela na transverberação.
Em 1622, Santa Tereza d’Ávila foi proclamada Santa. Atualmente, um dos pontos altos de visitação dos turistas em Ávila é o convento de Santa Teresa. O convento foi consagrado em 15/10/1636, dia de Santa Tereza d’Ávila. Lá esta o museu onde pode ser vistos pertences e muito da história da santa.
Santa Tereza d’Ávila foi declarada Doutora da Igreja pelo papa Paulo VI em 1970. Ela foi a primeira mulher a receber esse titulo por ter sido a grande mestra de oração, pois tudo que ela fez está voltado para oração. Conhecer Santa Teresa é inegavelmente conhecer o caminho interior da vida de oração.