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O retorno ao Bom Pai: Como a Regra de São Bento ecoa a parábola do filho pródigo

Toda grande história é uma história de ida e volta.

O herói parte de casa, enfrenta provações, e retorna transformado. É o padrão narrativo mais antigo e universal da humanidade. Mas antes de ser literatura, esse padrão é teologia: a história da salvação é a história de uma humanidade que se afasta de Deus e é chamada a voltar.

O Prólogo da Regra de São Bento está encharcado dessa dinâmica de partida e retorno. Logo nos primeiros versículos, São Bento escreve: “para que voltes, pelo labor da obediência, àquele de quem te afastaste pela desídia da desobediência.”

É impossível ler essas palavras sem pensar numa das parábolas mais conhecidas de Jesus: a do filho pródigo — ou, como prefere o Papa Francisco, do pai misericordioso.

O Pius Pater da Regra

No Prólogo, São Bento fala do “conselho de um bom pai” (pii patris consilium). Essa expressão latina — pius pater, pai piedoso, pai bondoso, bom pai — ressoa diretamente a figura do pai na parábola de Lucas 15.

Aquele pai que não impede o filho de partir, mas espera ansiosamente seu retorno. Que, ao vê-lo de longe, corre ao seu encontro. Que não exige explicações nem impõe penitências, mas abraça, veste, celebra.

A Regra apresenta Deus sob essa imagem paterna. Não é o Deus distante, frio, implacável. É o Pai que aguarda, que chama, que acolhe. É o Pai cuja casa é sempre aberta para os que voltam.

Êxodo e retorno: a dinâmica da vida espiritual

A vida espiritual, na visão beneditina, é um movimento constante de saída e volta, de afastamento e aproximação, de queda e levantamento.

Saímos de Deus pela desobediência — quando colocamos nossa vontade acima da vontade divina, quando buscamos nossa própria satisfação em vez do bem maior, quando nos fechamos em nós mesmos.

Voltamos a Deus pela obediência — quando escutamos sua Palavra, quando buscamos sua vontade, quando nos abrimos à sua graça.

Esse movimento não acontece uma única vez na vida. Acontece todos os dias, muitas vezes ao dia. A cada momento somos confrontados com a escolha: vou em direção a Deus ou me afasto dele?

A conversão (conversio) é uma das promessas que o monge beneditino faz em seus votos. Mas conversão não é um evento único do passado — é um processo contínuo, uma volta constante, um retorno diário.

“Ou por amor ou pela dor”

Há uma expressão popular que diz: “Ou por amor ou pela dor, mas todo mundo volta.”

O filho pródigo voltou pela dor. Foi preciso passar fome, comer a lavagem dos porcos, chegar ao fundo do poço para que ele “caísse em si” e lembrasse da casa do pai.

Mas não precisa ser assim. Podemos voltar pelo amor — pela atração do bem, pela beleza da verdade, pelo desejo de Deus. A conversão por amor é mais suave, mais alegre, mais livre.

São Bento conhecia bem essa alternativa. No capítulo 7, ele fala de monges que, no início, servem a Deus por medo do inferno, mas que, com o tempo, passam a servir por amor. O medo pode ser um começo, mas o amor é a meta.

E no último dos “instrumentos das boas obras” (capítulo 4), São Bento coloca: “Nunca desesperar da misericórdia de Deus.” Essa é a palavra final, o fundamento de tudo. Por mais longe que tenhamos ido, por mais fundo que tenhamos caído, a misericórdia de Deus é maior.

O Pai sempre espera

O que torna a parábola do filho pródigo tão poderosa não é a história do filho — é a história do pai. O filho é como nós: inconstante, egoísta, capaz de arrependimento. Mas o pai é como Deus: fiel, paciente, misericordioso sem medida.

O pai não vai atrás do filho. Respeita sua liberdade, mesmo quando o filho a usa mal. Mas também não desiste. Continua olhando para o horizonte, esperando, aguardando.

Quando o filho volta, o pai não diz “eu avisei” nem “você mereceu sofrer”. Ele corre, abraça, beija, celebra. A alegria do reencontro apaga toda a dor da separação.

É esse Pai que São Bento apresenta no Prólogo. É para essa casa que ele convida o monge — e cada um de nós — a retornar.

O caminho de volta

A Regra de São Bento não é um código de leis frias. É um mapa do caminho de volta. É a descrição do labor da obediência que nos reconduz àquele de quem nos afastamos.

Não importa quão longe você tenha ido. Não importa quanto tempo você tenha passado numa “região distante”, desperdiçando a herança. O Pai continua esperando. A porta continua aberta. A festa está preparada.

O primeiro passo do retorno é simplesmente esse: lembrar que há uma casa, há um Pai, há um lugar para onde voltar.

Escrito por Um Servo da Tenda

Grupo de Oração Tenda do Senhor

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